segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Miscelânea



"A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam. E mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. Quando o visitante sentou na areia da praia e disse:“Não há mais o que ver”, saiba que não era assim. O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre."
José Saramago

Uma vez quando era pequena, vi meu pai chegar em casa em uma sexta feira após o trabalho, cansado, era meu aniversário. Aniversário de 7 anos. Ele pediu uma folha de caderno á minha irmã, pediu ao meu irmao que fizesse um desenho, pois ele desenhava muito bem. Me perguntou o que eu gostaria de ver desenhado, e eu sem titubear pedi á ele que desenhasse o cavalo de fogo. Adorava, me imaginava sendo a princesa que conseguia atravessar um portal para um mundo diferente.
Meu irmão desenhou, meu pai cortou o desenho com pontas quadriculadas, pediu que eu estendesse á mão e me disse com os olhos cheio de lágrima:
"Hoje é o teu aniversário, isso que eu vou colocar na tua mão se chama amor minha filha. Isso que eu vou colocar na tua mão se chama humildade, honestidade. Sei que esperas um presente como teus amigos, mas sei também que um dia você vai ser uma mulher realizada, e entender, que maiores presentes você ganhou do que uma boneca, ou uma roupa. Não temos condição de te dar o que as suas amiguinhas têm, mas muitas delas gostariam de ter o que tens aqui, e isso é uma família."
Meu pai colocou os papéis cortados na minha mão. Era um quebra cabeça, que eles haviam feito, ali, na hora, pro meu aniversário não passar em branco. E eu montei aquilo milhoes de vezes, e hoje quando vejo o tipo de ser humano que me tornei, eu agradeço o presente que ele me deu, e sei que é maior do que qualquer boneca que ele poderia ter me dado.
Muitas vezes eu me magoo porque sei que não correspondo á todas as expectativas que eles depositaram e criaram pra mim, mas gostaria que enxergassem que as coisas que eu quero e considero fonte de felicidade são muito diferentes das demais pessoas.
Quem sabe um dia alguém me entenda. Eu mesma já decidi tentar seguir meus sonhos, mesmo sendo eles ás vezes incompreensíveis pros outros, pois não quero pra mim o desequilíbrio.
Me lembro com uma lucidez incrível do dia em que eu decidi que não queria mais o desequilíbrio. E eu sei que eu estou longe de ser o que sempre fui e muitos sabem o quanto é estranho me ver sendo envolvido por essa nova identidade tão comedida. É algo natural, eu sei e que esses "muitos" me previniram; iria chegar.
Eu só precisava respeitar o meu tempo. Eu respeitei então o tempo, sem querer. A maior e mais resistente de todas as cicatrizes parece agora estar fechada. Estou tão estranha que nem ao menos sei o que sinto me sentindo assim. Assim normal. Eu estou longe de ser o que sempre fui. No entanto ainda percebe-se a permanência dos tradicionais dilemas. Logo, nem toda essência foi perdida. Em segredo então eu agradeço.
O coração continua mole, burro, e guiando 90% das minhas decisões. Talvez seja culpa do horóscopo? Fazes da lua, ou quadrantes das casas planetárias?
Tão comum sonhar mais alto do que se pode crer, certo? E se eu disser que, por mais que alguém ou a vida diga que eu não posso, eu assumo meus planos?
Conjugo os verbos de acordo com as respostas que eu busco. Foi preciso mudar, foi preciso crescer, romper com velhos paradigmas, entender o que me faz sorrir, o que me faz acordar todos os dias e ir com sede ao pote.
Ás vezes gostaria de ser mais comum, de almjear apenas um emprego que me dê um salário maravilhoso e achar que tendo isso terei uma vida maravilhosa. Mas que merda, não consigo me imaginar em tal armadura.
Sim, armadura! Ficar preso á um molde que não o meu, que não o molde que venho criando todos os dias. Que muitas vezes também é feito de aceitação, pois infelizmente ninguem é uma ilha, e como já diria Rousseau para viver em harmonia é necessário abrir mão de uma pequena parcela de liberdade individual em razão do bem coletivo.
Tá tá, to filosofando demais, ninguém deve estar entendendo nada.
Eu gostaria de ter visto menos, e ter sentido menos, de não ter tanto discernimento quando percebi que muitos dos meus sonhos eram realmente fonte dessa nossa juventude. De se achar que se pode mudar o mundo matando a fome de uma criança. De achar que amores, são sempre correspondidos quando verdadeiros. De achar que viver sozinha não traria um pingo de verdade ao meu mundo. De achar que a minha alegria só é inteira quando posso cmpartilhar ela com os outros. De achar que um dia alguém vai entender o que eu quero e sinto, mesmo que esse dia demore. Até lá, não vou adiar a felicidade, mas tenho planos pra mudar os rumos, e o vento sempre soprou ao meu favor.

Um comentário:

Angélica Medeiros disse...

Que lindo amiga
É muito bom sabermos que temos uma base importante que é a nossa famíliaa..
Beijokas